domingo, 21 de setembro de 2008

PERGUNTAS E RESPOSTAS



1. É da natureza humana competir?
Esta opinião ainda é defendida e reforçada por muitas pessoas, apesar do fato de que há meio século, a antropóloga Margaret Mead provou que existem povos ancestrais que não pautam suas vidas pela competição. E quando encontro um único ser no planeta que não aja de forma competitiva, não posso afirmar que a competição seja inerente à espécie humana. Mead provou, por exemplo, que entre os índios Zuni e os Iroquois a competição era desconhecida. Ora, se entre a porção mais antiga da humanidade encontramos grupos que cooperam, então é fato dizer que o homem não nasce competindo e sim aprende, assim como poderá aprender a cooperar também.
Como já dissemos, e a antropóloga Mead provou, competição e cooperação são definidas pela estrutura social, não nascemos competindo ou cooperando, mas sim aprendemos a agir dessas duas formas. Podemos dizer que nascemos com as duas formas, e dependendo das interações que temos durante nossa vida, potencializamos uma forma ou outra. A porção que mais alimentarmos se sobressai.

Boff (1997) reforça a influência do meio, quando diz:

“A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha”.

É um erro afirmar que a nossa cultura é competitiva, ela está competitiva o que é muito diferente.
Não podemos mais justificar as nossas escolhas “jogando” a culpa numa cultura, mas sim buscar alternativas para modificá-la.
Dependendo das nossas ações, poderemos criar uma cultura mais justa, igualitária, enfim, muito mais cooperativa.

2. A competição traz à tona o melhor de nós?

Pelo contrário, é justamente a cooperação que nos realiza plenamente, isto provado por algumas pesquisas (Morton Deutsch). A competição, por sua vez, aumenta a ansiedade e impede que as informações sejam compartilhadas, e a alegria e o prazer em jogar, também desaparecem.
Na competição, utilizamos máscaras e nunca somos nós mesmos, pois mostrando nossas deficiências nunca somos aceitos, pois o que mais importa são os pontos que conseguimos marcar.
E quando não conseguimos ser melhores do que somos, acontece o fracasso que irá refletir na auto-imagem que temos de nós mesmos, e, fatalmente a nossa auto-estima será afetada.

3. A competição constrói o caráter?

A possibilidade de ser humilhado está sempre presente quando o assunto é competição. Devemos Lembrar que mais perdemos do que ganhamos numa competição, então a chance de sair frustrado do jogo é muito grande. Quando aprendemos a simular, enganar, não aceitar a derrota e trapacear dentro do jogo, estamos, ao mesmo tempo, levando esses conceitos para a formação do caráter da pessoa. Ninguém é diferente do que é jogando.
Por que não criar novos jogos que nos tornem pessoas mais honestas, solidárias, cooperativas, amigáveis, atenciosas, e assim correr o delicioso risco de também viver dessa forma?
Se a criança aprende que vencer é o que mais importa, que para ganhar vale fazer qualquer coisa, incluindo aí trapacear e até usar de violência, com certeza atuará assim também na própria vida.
Não podemos mais gastar nossa energia tentando fazer o outro perder, e o que é pior enxergar o outro como o inimigo que nosme fará naufragar. Na realidade, a competição tem servido para destruir o caráter e nunca para construí-lo.

4. A criança precisa aprender a perder?

Aprender a perder não significa especializar em perdas[1], pois o que na realidade acontece é justamente isso: especializamos para a derrota.
Muitas pessoas defendem a competição dizendo que devemos aprender a perder, como se alguém gostasse disso.
O sucesso e a competição são coisas distintas, pois posso trabalhar e ter sucesso sem precisar impedir que outras pessoas obtenham também sucesso em alcançar seus objetivos. Competência nada tem a ver com competição, a idéia é que possamos ser cada vez mais competentes sem prejudicar alguém.
Nós conseguimos produzir melhor quando não estamos tentando derrotar alguém.
A criança não aprende a perder em nossa sociedade, mas é treinada a competir em todos os momentos, e isso é muito cruel, pois ela só consegue ver um pedaço da verdade. Existem inúmeros momentos em que não precisamos da competição, mas, ela continua sendo sempre escolhida para resolver a situação, afinal não conhecemos outra saída.
Nossos esforços para derrotar os outros, na escola, no jogo, no trabalho e, até em nosso tempo livre nos transforma a todos em perdedores.
Temos que reestruturar essas instituições para o nosso próprio benefício, de nossas crianças, enfim de nossa sociedade.

5. O mercado de trabalho exige competição?

Essa é mais uma meia verdade que de tanto ser dita passa a ser verdade absoluta (passa?). Claro que passa se não clarearmos isso, pois, hoje, sabemos que as empresas não mais procuram funcionários competidores, pois já perceberam que agindo assim só perdem. Pois o competidor só sabe jogar sozinho, e se a empresa não formar um time cooperativo em que todos tenham o mesmo objetivo, acabará perdendo. Somos sempre mais fortes quando unimos nossas habilidades e assim somamos nossas forças.
Focalizadores de Jogos Cooperativos, hoje, já atuam nas empresas ensinando ao grupo a jogar junto para vencer. Hoje, muito se fala de “co-opetências”, ou seja, competências compartilhadas, pois quanto mais pessoas jogando juntas, melhor. Falar em competição de mercado já não sustenta o modelo competitivo.
As empresas procuram pessoas que conseguem trabalhar de modo cooperativo, em equipe, elas querem encontrar pessoas que quando contratadas conduzem sua atuação com flexibilidade, confiança e liderança.
Podemos destacar algumas características deste perfil profissional segundo Freed (2000) no Manual Pensar, Dialogar e Aprender:
Participam ativamente numa equipe;
Assumem responsabilidade perante os objetivos da equipe;
Ouvem os outros membros do grupo;
Expressam suas idéias aos outros membros do grupo;
São sensíveis às idéias e pontos-de-vista dos membros do grupo;
Estão dispostos a fazer concessões para melhor atingir o alvo;
Agem como líder ou liderado para melhor atingir o alvo;
Trabalham em situações que mudam, e com pessoas de diferentes procedências;
Confiam mais na equipe do que no controle para a orientação diária;
Participam nas tomadas de decisão e nas soluções de problemas.

6. A competição é que dá “graça” ao jogo?

Ao observar crianças jogando de forma cooperativa e percebendo que a graça está presente e que todos sentem prazer jogando, não é correto afirmar que é a competição que dá graça ao jogo.
Pelo contrário, a competição, na maioria das vezes, retira a graça do jogo, pois as pessoas que jogam estão tão preocupadas com o final que não se divertem.
A competição pode ser o elemento desafiador dentro de um jogo, mas daí dizer que a graça presente no jogo é a competição há uma distância enorme. Assim, como a competição desafia também faz com que quem joga se sinta estressado, angustiado e preocupado, isso só acaba com o fim do jogo. Sendo assim, tudo que o jogo tem de bonito, não é apreciado, pois a ênfase está no resultado final.
Os jogos cooperativos fazem com que as pessoas que jogam possam apreciar tudo que o jogo pode oferecer, pois não tenho que me preocupar com o resultado final, mas sim com todos os momentos do jogo.
Não tenho nenhuma garantia de que mudando o jogo, mudarei a forma como as pessoas vivem, mas tenho muitos indicativos de mudanças, pois somos influenciados por uma cultura perversa, mas também podemos influenciá-la com amor, bondade, cooperação, respeito etc. Os jogos que as crianças jogam se tornaram seus jogos de vida.
Devemos abrir um espaço para que a criança possa jogar e discutir valores humanos tais como ganhar, perder, poder, solidariedade, respeito, sucesso, fracasso, ansiedade, rejeição, jogo limpo, aceitação, amizade, cooperação e competição sadia.
Eu tenho plena convicção de que o jogo cooperativo favorece e muito uma tomada de consciência a respeito desses valores, que são essenciais para nossas vidas.
A idéia difundiu-se e, hoje, diversas pessoas desenvolvem jogos cooperativos aplicados à educação, empresas e serviços comunitários. Em alguns países, a proposta está incluída em escolas de diversas metodologias, sendo utilizada como educação preventiva para conter a crescente violência entre os jovens.
Santin (1994) prega uma Educação Física que contribua para a humanização do ser. Vejo a Escola como uma das melhores oportunidades para que isto aconteça.
Orlick em seu livro Vencendo a competição (1989) diz:
“O melhor preparo para ser um adulto humanista, responsável e feliz é viver a infância em toda a sua plenitude”.

Orlick (1989) continua dizendo:
“Devemos trabalhar para que seres humanos confiantes, cooperativos e felizes não se tornem uma espécie ameaçada de extinção”.
[1] Frase de Fábio Otuzi Brotto.

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